terça-feira, 30 de outubro de 2012

Recortes do caderno



                Havia uma senhora, não qualquer senhora, ela era uma daquelas cheias de vida, que viveram a vida, trazia em cada ruga a marca de um amor, em cada sorriso tristonho a perda de algo e em cada olhar distante a saudade de ter tempo para recomeçar, poder correr atrás de seus sonhos mais uma vez.
                Repousava em uma velha cadeira de balanço, na varanda de uma casa também velha e olhava a todos que passava na rua com certo ar de sabedoria, como se pudesse prever cada lágrima que cada um viria a derramar, como se pelo andar percebesse a força que havia dentro de cada pessoa que olhava em direção a ela de forma desajeitada por não conseguir interpretar tudo que aquela mulher poderia dizer.
                Passei por ela como qualquer outro, mas diferentemente de todos que possuíam a curiosidade de virar o rosto para vê-la, apenas segui com a cabeça baixa. Ela me chamou. Disse-me que tudo ficaria bem, que com o passar do tempo tudo iria se resolver, falou que amores, não os da boca pra fora, mas os amores verdadeiros, estes nunca chegariam ao fim, desgastavam-se, mas não podiam, nem conseguiam acabar, contou-me, então, sua historia.
                Há muitos anos, quando em sua juventude, havia conhecido um rapaz, havia conhecido o rapaz, o rapaz de sua vida. Mas apesar de tanto amor, apesar da certeza de que este era, de fato, a pessoa com a qual ela gostaria de passar o resto de seus dias, não foi possível. Sua família se preparava para mudar de cidade e não havendo email, telefone ou outra forma de manter contato, eles se perderam.
                Contou-me também que possuiu outros amores, mas nada comparado aquele de sua infância. O tempo foi passando e passando, ela chegou a casar-se, teve filhos, netos e um belo dia seu esposo veio a falecer. Resolveu, então, voltar para sua cidade natal, esta na qual nos encontrávamos, aqui quis terminar seus dias.
                Grande foi a surpresa ao saber que aqui, ainda morava seu grande amor, eles voltaram a se encontrar, se casaram, ainda que tarde, mas no ano anterior ele havia falecido. Para ela não havia importância, pois havia vivido seu grande amor. Pediu ajuda para levantar-se, disse que estava cansada de saudade de seu grande amor, mas feliz por tê-lo vivido. Naquela noite veio a falecer, foi encontrar-se mais uma vez com seu amado, foi mais uma vez sorrir e entorpecer-se de amor e eu guardo a alegria de ter em mim, todos os ensinamentos que a mim foram transmitidos.